quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

A Colecionadora de Ocasos - A Redenção



Um dia não suportou. Quis sair dali mais do que em todos os outros dias. Nem que fosse para cair janela abaixo. Algo teria que acontecer. A ideia da prosperidade financeira apesar de sensata, não conseguia lhe manter mais nenhum segundo sequer sentada, parada, atada. Quis ardentemente saber das janelas e dos pores-do-sol de Paris, Veneza, Roma, Reykjavik, Deli. Pensou, avaliou, controlou, ponderou e partiu.

Sim, poderia até entrar naquela jornada, mas não sem antes levar consigo os retratos daquelas tardes solitárias, mas preenchidas de rica doçura, pois lembrou-se do dito budista: "devemos celebrar as alegrias e as adversidades". Não sabia, depois de tantos anos de amargura, quanto de si era pesar, dor. - E se o descontentamente fosse sua espinha dorsal? Fosse o que lhe ainda dava algum senso de inteireza?  Decidiu que enquanto a beleza da alvorada insistisse em lhe ocupar os dias era melhor se precaver.

Descobriu depois de sondar algumas fenestras além mar que de fato aquele espetáculo vivia na miudez do seu quarto pra ser sentido somente por poucos ou talvez só existisse mesmo na poesia de seu mundo. Não testemunhou sequer um fim de tarde tão bonito como aqueles. Viu o sol descendente direto no mar, o viu se por entre as nuvens, viu coisa nobre, auspiciosa, mas nada como o que via em casa.
Era como um "segredo de liquidificador": estava delicadamente escancarado ali no infinito, mas cabia a quem tinha uma rolleiflex no coração afinar o olhar para compreender a beleza e o mistério.

Segura, entendeu que seu destino era pra frente e que a vida não costumava esperar por quem se acovardava dela. A alegria, o entusiasmo e a vontade se apresentaram e tornaram-se grandes amigas. Não queria mais viver na mediocridade da história que alguém embuiu um significado e jogou no mar, como aquela mensagem na garrafa, para que um qualquer tomasse como sua e cumprisse aquele chamado.

Entregou-se àqueles espaços dantes não percebidos, dia a dia. Buscou sentir a vida em suas amplas possibilidades. Experimentou gostos, lugares, pessoas. Voltou pra outra casa, mas não pro quarto. Ainda perdida, mas agora sem os solavancos de angústia que lhe tomavam a fala, conseguia bater um papo com o emérito desenhista e sentir. Hoje sente.

Sempre que visita aquela casa com cheirinho de tudo que lhe é familiar, de tudo que traz segurança, afago e ao mesmo tempo lhe apequena, sobe alguns degraus, respeitosamente entra no quarto vazio, salvo por alguns quadros na parede, espera o momento e checa o que o oráculo tem a lhe dizer. Se é um belo dia de sol de inverno, já sabe: tanta beleza só pode vir celebrar o fim de um ciclo. Perde o olhar no horizonte como em oração - entrega, confia, aceita e agradece. Aprendeu que se a vida de hoje se parece mais com uma história que vale a pena ser vivida, é porque em algum momento parou de resistir. Hoje compreende que o universo é uma entidade que parece ter um pouco mais de informações do que nós e que confiar é a chave motriz da felicidade.

Foto: Goiânia, setembro de 2012; Créditos: Melina.

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