quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A Colecionadora de Ocasos - O Purgatório






A colecionadora de ocasos não conseguia sair daquela que lhe parecia a melhor versão do dia: os crepúsculos vistos da janela de seu quarto. Apesar desta casa estar bem no centro da cidade, o que imperava ali era só o que lhe dava gosto no mundo: árvores, horizontes, inspiração. Nada de concretos, carros ou livros chatos.

Sim, livros chatos. Os dias de sol, de chuva, nublados, quentes ou frios todos eram passados da mesma forma. Curvava-se diante do destino que a fez bacharel em direito, ofício ao qual não nutria apreço - mas que lhe daria o seu sustento, assim diziam - e estudava todos os dias para conseguir alcançar "um lugar melhor na vida".

Não tinha motivação. Tentava arranjar uma. Um carro melhor, carreira, casa, viagens. Durava por um tempo, mas não o suficiente para evitar o choro que acontecia em todos os intervalos de estudo. Enquanto as pessoas faziam intervalos para se alimentar, para preencher, seus intervalos eram pra esvaziar a imensa tristeza que sentia por passar o tempo ali. Chorava, chorava, enxugava as lágrimas. Lembrava das contas a pagar e seguia na infelicidade daquela saga.

Já tinha um emprego, mas acreditava que a vida só seria boa o dia que ela se encontrasse com o sonho dos outros. Com o sonho capitalista, o sonho de seus pais, irmãos, tios, amigos, até do dono da padaria. Aquilo era algo que permeava a vida de qualquer um, mas não a dela. Mas a infelicidade era tão esperada, bem-vinda, que escorava-se na certeza dos outros para viver uma vida que não queria.

O seu refúgio desenhava-se por alguns minutos no cair de cada tarde. Era ali que podia se esconder dos tristes e longos dias de espera e se entregava a um desfile de cores, desenhos e sombras que dançavam no céu à sua frente. Aquele etéreo monólogo lhe trazia o presságio que o entalhador de sua vida só podia estar lhe apresentando coisa melhor. Pensava: ele não faria isso tudo no céu se não fosse pra me dizer coisas bonitas. Sentia a impermanência, mesmo que não reconhecesse nenhuma de suas facetas. Uma mudança brotava dentro de si.

Todos os dias assentava-se na poltrona da fileira A e se perguntava se o auditório estaria cheio (haviam outros miseráveis esperando um milagre?), com algumas cadeiras preenchidas (poucos miseráveis?) ou se o frenético movimento da metrópole não permitia que o profético presente fosse entregue a mais ninguém além dela (a única miserável).


Foto: Goiânia, maio de 2012; Créditos: Melina.

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